quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

MANUSCRITO E CALIGRAFIA NA ERA DAS TIC

RESUMO

Nesse artigo buscaremos fazer algumas observações acerca do desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação e o paralelo com a utilização da escrita manual na era das TIC. Buscando focar como o uso dessas tecnologias pode influenciar as gerações futuras no que se trata do usa da escrita manual e o desenvolvimento da caligrafia como forma de comunicação independente dos meios digitais. O objetivo inicial é fazer provocações e observações do uso das TIC, e questionar: será possível conciliar TIC na educação e a prática de escrever com o próprio punho no futuro?

Palavras-chave: TIC. Escrita. Caligrafia

INTRODUÇÃO


A evolução do homem é a história de sua capacidade de transformar a natureza e de se comunicar diretamente através da oralidade, rompendo barreiras espaciais através de mensagens que são transmitidas através de meios diversos: fumaça, som e o mais importante meio que é a escrita, através de códigos padronizados como o alfabeto grego que é interpretado por todos aqueles que o adotaram como forma gráfica de transmissão de ideias.  A evolução da escrita passa impreterivelmente pelo progressivo aperfeiçoamento dos movimentos que combinam articulações entre dedos, punho e a parte cognitiva dos indivíduos que evoluíram desde as gravuras rupestres até as mais elaboradas, assumindo um status de arte como os japoneses e chineses consideram Shodo[1]. Cabliari define assim essa evolução:

Quem inventou a escrita foi à leitura: um dia numa caverna, o homem começou a desenhar e encheu as paredes com figuras, representando animais, pessoas, objetos e cenas do cotidiano... A humanidade descobria assim que quando uma forma gráfica representa o mundo, é apenas um desenho, quando representa uma palavra, passa a ser uma forma de escrita (CAGLIARI, 1988, apud RESENDE, 2012, p.13).


1.     PRIMEIROS PASSOS NA APRENDIZAGEM FORMAL

No Brasil até os dias atuais as crianças são treinadas para desenvolver as habilidades para a utilização da escrita manual, sendo exigida exclusivamente até nas séries finais do primário – hoje quinto ano - para alcançar uma “boa caligrafia”, entendendo como boa caligrafia a boa distinção dos símbolos gráficos por qualquer pessoa que tenha acesso ao texto escrito.
Observamos que as crianças tomam contato cada vez mais cedo com as TIC e suas ferramentas de comunicação – principalmente digitais – que possibilitam produções textuais, seja para o envio de mensagem via celular – os SMS, WhatsApp -, seja scraps - mensagem em redes sociais como o Orkut e facebook - diminuindo o uso da escrita a próprio punho para a circulação de mensagem fora da escola. A continuidade do desenvolvimento motor na escrita fora da sala de aula fica restrito às tarefas escolares propostas pelos professores, todas as demais mensagens prioritariamente são realizadas através de teclados, seja do telefone ou do computador. O contato dos pré-adolescentes com essas TIC tem um grau muito mais elevado durante as séries finais do ensino fundamental – do sexto ao nono ano -, o uso de ferramentas como editores de texto ainda é restringido por parte dos professores que prezam pelo desenvolvimento e melhoramento da caligrafia dos jovens.

Se quiser falar com minha filha maior do ensino médio, tenho de usar mensagem de texto. Não responde ao celular, sequer escute a caixa de mensagem. Único jeito de ter sua atenção é através de mensagem de texto.(...) (ROSEN, 2010 apud DEMO,  p.14).

Os Trabalhos, textos, redações até mesmo conteúdos das disciplinas ainda são repassados de forma tradicional: professor escrevendo na lousa e alunos copiando nos cadernos, sempre com essa perspectiva de aprimoramento da escrita manual. Em pesquisa desenvolvida por Soto “[...] Na falta das novas tecnologias, há ainda professoras que, para motivar seus alunos à aprendizagem, se apoiam no mais básico dos recursos: o giz e lousa.” Conforme descreve o depoimento de Berenice (GF2):

Quando comecei a dar aula, fiquei imaginando como vou prender esse aluno lá. Decidi que ia fazer uma matriz que ia colocar na lousa. Trabalho com projeto interdisciplinar. Faço uma matriz toda em espanhol e coloco tudo na lousa. Não tem xerox. O que mais quero é giz colorido. [...] Aí eu coloco tudinho na lousa e peço para eles desenharem. Consegui muitas coisas com isso. [...] Primeiro eu faço tudo em espanhol. Falo primeiro, depois eles fazem os desenhos. No final eu falo: vamos ver que vocabulário vocês aprenderam. (SOTO, 2013, p. 20)

Na era das tecnologias reduz cada vez mais a necessidade da busca por uma caligrafia bem elaborada, pois se espera que todo o esforço de dar uma definição da caligrafia se deu durantes os primeiros nove anos de ensino. No ginásio – ou segundo grau – as TIC passam a ocupar um campo mais amplo no processo de aprendizagem, reduzindo assim drasticamente, as escrita manual sendo usada basicamente para assinar o nome. Os conteúdos são repassados através de apostilas e os trabalhos já são exigidos utilizando o computador com seus softwares editores de textos ou apresentação de slides com recursos áudio/visuais disponíveis. 
As condições entre o ensino público e privado para pôr em prática a utilização das TIC como ferramentas que auxiliam o ensino são bem distintos, conquanto que no ensino público os alunos não têm acesso como seria o ideal nesse mundo da geração “i” como caracteriza Demo (2010, p. 1)

Nos Estados Unidos, as gerações ganham nomes, desde o pós-guerra ou a metade do século passado, sendo a geração “i” a mais recente (formada de adolescentes – teens – e pré-adolescentes – preteens). A vogal “i” no início segue o modismo de websites como iPod, iTunes, Wii, iChat, iHome, iPhone..., indicando que se trata de geração sempre conectada ao mundo virtual, em especial à internet.(DEMO, 2010, p. 1)

No ensino privado o uso de TIC é tratado como um diferencial – de certa forma - mais atraente que o próprio método pedagógico para conquistar a atenção de pais e alunos na hora de escolher a “melhor” escola “Da caneta multicor à tela mult-touch[2]” (campanha “Tradição com Inovação”, criada pela agência Sambba para divulgar a fase de matrículas no COC Florianópolis).
Figura 01: Material publicitário
Fonte: www.google.com/imagens
Um jovem que não tenha desenvolvido suas habilidades manuais na escrita durante o processo de alfabetização até o fim do ensino fundamental terá uma redução considerável na utilização dessa forma de produção textual, pois os teclados de computadores, comandos de voz[3], telas como as touch screen reduzem em muito a necessidade do uso do lápis ou caneta para escrever.

2.     MUNDO DAS PROFISSÕES SEM E COM AS TIC

Até pouco tempo atrás – e por que não dizer até hoje – um dos profissionais onde a caligrafia é motivo de piada (de mau gosto) são os médicos – principalmente os homens – que costumam “conservar” uma forma de escrita na emissão de receituários que se tornou quase que uma “especialidade” para os que conseguiam decifrar a mensagem deixada no papel. Essa prática levou o próprio Código de Ética do Conselho Federal de Medicina (CFM) determinando que a receita e o atestado médico tenham que ser legíveis e com identificação[4] inclusive com um artigo específico:

É vedado ao médico receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos. (Cap. 3, Art. 11).

Tal medida se justifica na dificuldade reconhecer os símbolos gráficos produzidos por uma caligrafia difícil de ler, a imagem abaixo nos dá um exemplo:


Figura 02: Receita médica modificada para não identificar médico e paciente.
Fonte: Fonte: www.google.com/imagens
Com a obrigatoriedade para resolver o problema exemplificado anteriormente as TIC são uma saída para o cumprimento da exigência de uma boa comunicação escrita. Aqueles que não têm o desenvolvimento motor para redigir de próprio punho não sofrerão tantos transtornos, pois há meios digitais como programas editores de texto para emissão dos referidos documentos atendendo assim a necessidade de uma boa comunicação e entendimento.


3.     QUAL O FUTURO DA CALIGRAFIA COM O DESENVOLVIMENTO ACELERADO DAS TIC?


A escrita manual torna-se cada vez menos usada, servindo apenas para assinar o nome como forma de dar autenticidade a documentos, mas até isso gradualmente está sendo substituído como é o caso do uso de “assinaturas digitais”[5] que assumem a cada dia um papel mais real e cotidiano nas relações comerciais principalmente.
À medida que as TIC se tornem mais acessível suas tecnologias de escrita disponíveis pelas inovações poderão ser adotadas cada vez mais nos ambientes educacionais, pois com a evolução dessas tecnologias é possível vislumbrar uma superação da necessidade do uso da escrita manual, sem necessariamente ser um analfabeto, a não ser que seja um analfabeto digital.
Temos inúmeros exemplos no nosso cotidiano que a simples assinatura de seu nome deixou de ser necessário. Operários ao chegarem a seus locais de trabalho utilizam cartões magnéticos de ponto ou ponto eletrônicos que utilizam a biometria[6] (leitura digital do polegar), eliminando assim as assinaturas em folha de ponto muito utilizadas como comprovação de carga horária de trabalho.

 [...] se imaginarmos que, no futuro, vamos escrever através de computadores, o ato de escrever terá muitas características próprias, diferentes das que usamos hoje, a começar pelo não uso de caneta e papel. O mundo da imagem estará em plena forma e as palavras escritas, na maioria das vezes, não passarão de simples rótulos para tarefas específicas que o computador realizará. Ler uma obra literária, produzida com letras do alfabeto, será coisa do passado, uma coisa de arqueologia, assim como vemos, hoje, as escritas antigas, como a egípcia, a cuneiforme, os livros iluminados da O Ensino da Escrita Manual no Brasil Idade Média, etc. As histórias serão contadas através da fala gravada. (CAGLIARI, 1999 apud FETTER, 2013, p. 221)

Assim como a técnica da arte da escrita japonesa - Shodo – é uma tradição milenar, o simples fato de sabermos manipular um lápis ou caneta para deixarmos assinado nosso nome também pode se tornar uma arte, onde pouco se dedicarão a conservar.


CONCLUSÃO
  
             O desenvolvimento das técnicas alavancadas pela revolução industrial possibilitou a redução do tempo gasto para se para produzir, na educação as TIC andam no mesmo caminho, se observarmos que hoje elas possibilitam muitas formas de produção textual, sem necessariamente, precisemos do lápis ou caneta para isso. O trabalho desenvolvido aqui procurou demonstrar alguns exemplos do cotidiano seja na escola, em casa ou no trabalho do qual o uso de textos manuscritos e da necessidade de uma boa caligrafia vem reduzindo. Para quem aprendeu a desenvolveu bem essa atribuição pode até ter reduzido seu uso, mas diríamos que é como andar de bicicleta, quem aprende nunca esquece. Mas para as gerações futuras é um grande desafio tendo em vista as possibilidades disponíveis pelas TIC nessa era moderna onde o digital é tão presente.


REFERÊNCIAS

DEMO, Pedro: Geração conectada e aprendizagem. 2010. Disponível em:
FETTER, Sandro et al. O Ensino da Escrita Manual no Brasil: Dos Modelos Caligráficos à Escrita Pessoal no Século XXI. Disponível em: < http://www.bocc.ubi.pt/pag/fetter-sandro-lima-edna-lima-guilherme-o-ensino-da-escrita-manual-no-brasil.pdf.> Acesso em: 12 de Nov. 2013.
RESENDE, Renata Carolina Vieira at al., A linguagem escrita como representação da oralidade nas series iniciais do ensino fundamental. Dissertação de iniciação à Docência. Uberlândia, Disponível em: <http://www.pibid.prograd.ufu.br/sites/default/files/Renata%20Carolina%20Vieira%20Resende_0.pdf.> Acesso em: 12 de Nov. 2013.
SOTO, Ucy ET al: As múltiplas realidades do uso de tecnologias no ensino de espanhol na rede pública. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/espanhol/Anais/anais_paginas_%203079-3467/As%20m%FAltiplas%20realidades.pdf>. Acesso em: 12 de Nov. 2013.



[1]   O pincel, feito de pelo, é um instrumento sensível, que junto com a tinta, geralmente preta, que produz uma variedade de subtons de cinza e de espaços “falhos” sobre o papel, traduz a arte da caligrafia. (fonte: http://www.culturajaponesa.com.br/?page_id=22)
[2] Touch screen, que significa ?tela de toque? em inglês, é uma tecnologia que permite abrir mão de botões e teclas físicas de um aparelho para clicar direto na tela. (fonte: http://www.magazineluiza.com.br/portaldalu/multitouch-o-que-e-essa-tecnologia/3738/)
[3] Softwares que ao comando de voz redige textos em aplicativos apropriados como o ViaVoice da Microsoft
[5] Método é usado para validar documentos digitais, como em casos de vendas e contratos online. (fonte: http://www.tecmundo.com.br/web/941-o-que-e-assinatura-digital-.htm
[6] Técnica de reconhecimento das características humanas através de meios digitais (fonte: http://www.tecmundo.com.br/web/941-o-que-e-assinatura-digital-.htm

2 comentários:

  1. Oi Wilson, parabéns pelo teu artigo. Gostaria de te pedir para corrigir o meu nome na tua citação. Tua citas meu artigo mas colocaste como referência "FATTER" sendo que o correto é FETTER, com E. Desculpe a intromissão mas a qualidade do teu artigo também depende da correção das referencias utilizadas. Se te interessares mais pelo assunto, minha dissertação de mestrado trata sobre a história e o uso dos modelos caligráficos do século XVI até o Brasil no ano século XXI. Um abraço, Sandro Fetter

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  2. Correção feita. Eu é que tenho que agradecer pela observação e pelo texto que tive acesso, sabe como é a difícil tarefa de um operário no ingresso do mundo acadêmico, tenho me esforçado, valeu pela dica.

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