Walter D. Mignolo é argentino de
origem camponesa, professor de literatura e Antropologia e diretor do Centro de
Estudos Globais e Humanidades da Universidade de Duke nos Estados Unidos. Como pesquisador é reconhecido na academia
latino-americana como um dos principais teóricos da corrente de pensamento
pós-colonial. Junto com os pesquisadores Aníbal Quijano e Enrique
Dussel, vem sendo reconhecido na academia por seu debate sobre
modernidade/colonialidade. Dentre suas principais publicações estão: O lado mais
obscuro do Renascimento, 2003; Desobediência Epistémica 2010[1];
Histórias Locais / Projetos Global: Colonialidade, Saberes Subalternos, e
Pensamento de Fronteira, 2012; Aprender a desaprender: Reflexões descoloniais
de Eurásia e Américas, 2012; A ideia de América Latina, 2012.
Mignolo ao iniciar o texto “Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o
significado de identidade em política”
reforça a necessidade de uma desobediência teórica como o principal caminho
para os pensadores pós-colonial/descolonial, essa defesa é destacada no texto
de Mignolo com um trecho do artigo de Quijano: “Colonialidad y
Modernidad/Racionalidad” (1990, 1992) “Lejos
de esto, es necesario desprenderse de las vinculaciones de la
racionalidad-modernidad con la colonialidad, en primer término, y en definitiva
con todo poder no constituido en la decision libre de gentes libres”. Tendo
a construção epistêmica dos conceitos e categorias próprias do pensamento
descolonial, da mesma forma sem abandonar as contribuições das críticas feitas
ao pensamento colonial hegemônico produzido por pensadores europeus, segundo
Mignolo (2010) “não será tomada como ‘deslegitimar as ideias críticas europeias
ou as ideias pós-coloniais fundamentadas em Lacan, Foucault e Derrida’”.
Segundo o autor a desobediência epistêmica não se trata
de “politica de identidade” mas sim de “identidade em política”, para Mignolo é
essencial diferenciar ambas as posições. Enquanto a politica de identidade
reforça o pensamento colonial com sua determinação e divisão entre etnias,
gênero, sexualidade etc., que é fruto dos conceitos construídos por correntes
de pensamento que reforçam a dominação colonial nos colonizados. É, justamente
na identidade em política que se assegura a opção descolonial, criando teorias
políticas que confronte com qualquer outra forma de pensar que não seja o
construído com bases conceituais/categoriais e o fazer descolonial dos próprios
colonizados e nesse sentido a língua também cumpre esse papel descolonizador no
arcabouço de determinação que são impostas pelo discurso imperial seja na economia,
religião, etc.
Pretendo
substituir a geo - e a política de Estado de conhecimento de seu fundamento na
história imperial do Ocidente dos últimos cinco séculos, pela geo-política e a
política de Estado de pessoas, línguas, religiões, conceitos políticos e
econômicos, subjetividades, etc., que foram racializadas (ou seja, sua óbvia
humanidade foi negada). Dessa maneira, por “Ocidente” eu não quero me referir à
geografia por si só, mas à geopolítica do conhecimento. (MIGNOLO, 2010, p. 290)
Para Mignolo mesmo os críticos da racionalidade
ocidental, como os citados por ele: Las Casas, Marx, Freud, Niezche etc., ambos
estavam limitados à regra do jogo: “[...] mas crítica dentro das regras dos
jogos impostos por razões imperiais nos seus fundamentos categoriais gregos e
latinos.” (p. 290), é a partir dessa oposição as regras impostas que surge o
pensamento descolonial, negando assim, o reconhecimento da razão ocidental de
superior/inferior/raça etc., construídos para justificar a dominação colonial e
a dominação imperial sobre outros povos, em sua particularidade, fora da
Europa.
Esse discurso de “superioridade racional” vem em segundo
momento com o conceito de modernidade europeia, mascarando mais uma vez sua
intenção de nova colonização. Para o autor o pós 2ª guerra mundial marca esse
novo movimento, como uma tentativa de perpetuação da logica colonial, uma nova
segregação entre “mundos” segundo seu nível de desenvolvimento que tinha o
europeu como padrão, assim como ocorria nas ciências modernas. Mignolo destaca
que essa novo discurso também servia para referenciar as importâncias das vidas
humanas ao exemplificar que as perdas nas guerras no continente europeu tinha
um prejuízo maior – segundo a concepção eurocêntrica – seus teóricos logo se
levantaram para criticar o “barbarismo” ocorrido nessas guerras, enquanto as
vidas dos nativos e escravizados mortos durante as resistências ao processo de
colonização não eram dada tanta atenção por esses teóricos.
A modernidade apesar de se “travestir” com o discurso de
desenvolvimento mútuo mostra sua face de velho movimento colonial ao não mudar
o modo de ver o outro – antes pela racialização, agora pelo víeis do
desenvolvimento econômico ao classificar segundo o “grau de desenvolvimento”
pregado por eles: primeiro e terceiro mundos. A opção descolonial se confronta
diretamente com os projetos econômicos colonial/imperial, ora encabeçados por
países europeus, ora fora dele, mas mantendo o projeto de globalização neoliberal
que para Mignolo (2010) caminha para “desfetichização do poder político e em
uma organização econômica que visa à reprodução da vida ao invés da reprodução
da morte e visa à reciprocidade e à distribuição justa da riqueza entre muitos,
e não à acumulação de riqueza entre poucos." Através de governos,
organizações econômicas distintas, movimentos sociais etc., surgidos dessa identidade
em política levam sua defesa de escolhas não-capitalista e do desenvolvimento
dessas nações, visto pelo pensamento imperial que ainda procura se impor.
Os apontamentos sobre identidade em política e
desobediência epistêmica tratada por Mignolo ultrapassa uma mera definição do
pensamento descolonial, uma busca dessa definição estaria limitada ao
pensamento hegemônico de normas disciplinares do conhecimento ocidental, que
tanto o autor e os pensadores descoloniais procuram se afastar. O
reconhecimento do pensamento descolonial é mais do que o “ser” e o “estar”, uma
pessoa pode assumir uma identidade em política e uma desobediência epistêmica descolonial
sendo um branco europeu ou estando na Europa, na Ásia, África etc., da mesma
forma que um nativo das Américas, um indígena, um mestiço etc. pode assumir o
pensamento colonial. Essa consciência está justamente no reconhecimento nas
diversidades de organizações, categorias e relações de poder.
Para Mignolo há vários exemplos de que o pensamento
descolonial vem construindo uma identidade em política ao conseguir espaços de
discursos fora das regras do jogo capitalista, na seara econômica;
epistemológica, na educação; e na política ao colocar no poder figuras que
façam um discurso que apontem uma alternativa plural dentro do pensamento
descolonial existente já nos processos de colonização. Essa desobediência
interna é mais visível na economia com a manutenção de formas comunais de
organização social, sistema comunitários que visam um modo de produção
qualitativa em detrimento à proposta quantitativas da forma imperial que tentam
“padronizar” em esfera global um único sistema possível.
O principal objetivo do texto de Mignolo – como uma
desobediência epistêmica – é negar qualquer tentativa de padronização das
relações sociais e econômicas e subjetivas dos povos, sempre respeitando e
garantindo sua independência social, epistemológica e de poder. E, é nessa critica que questiona qualquer
tentativa de adequar esses povos a modelos socioeconômicos defendidos por
teorias como: o neoliberalismo que reforça o poder hegemônico do Capitalismo ou
as do socialismo/comunismo que apesar de sua oposição frente ao capitalismo,
Mignolo considera na essência os mesmos objetivos – padronização - às formas de
organização social pelo planeta, ambas combatidas pelo corrente de pensamento
descolonial do qual faz parte ele e outros pensadores contemporâneos.
[1] Esta monografia, publicado originalmente em Inglês como um longo artigo,
foi então traduzido para o espanhol (versão atual). Ele também foi traduzido
para o alemão, francês e sueco.