Na tentativa de responder a pergunta: “o homem quem é ele?” muitos
filósofos, desde os gregos pré-socráticos buscaram uma categoria que pudesse
responder essa questão. Platão apresenta o homem como essencialmente alma e sua
principal questão é: sendo o homem essencialmente alma: alma espiritual,
incorruptível e imortal como se libertar do corpo? Tanto para Aristóteles
quanto para Plotino a discussão de corpo e alma é norteada pela importância ou
autonomia, de um sobre o outro. Para os gregos as suas análises partiam de uma
perspectiva cosmocêntrica, ou seja, qual sua origem e relação com os astros e
fenômenos da natureza.
Vale ressaltar que mesmo entre os pensadores gregos, a busca do
conhecimento sobre o homem, sob observações biológicas, físicas e astronômicas
para alcançar a respostas sobre o Que é o homem? Na perspectiva cosmocêntrica,
havia também outros que apontavam o meio – social – como um campo privilegiado
para se conhecer, observando o próprio homem, segundo Cassirer (1972):
Em suas primeiras fases, a filosofia grega parece exclusivamente
interessada pelo universo físico. A cosmologia predomina claramente sobre todos
os outros ramos da investigação filosófica. Não obstante, o que caracteriza a
profundidade e a amplitude do espírito grego é o fato de quase todo pensador
grego representar, ao mesmo tempo, um novo tipo geral de pensamento. Além da
filosofia física da Escola de Mileto, os pitagóricos descobriram uma filosofia,
matemática, enquanto os pensadores ele áticos são os primeiros a conceber o
ideal de uma filosofia lógica. Heráclito encontra-se nas fronteiras entre o
pensamento cosmológico e o antropológico. Embora ainda fale como filósofo
natural e pertença aos “antigos fisiologistas”, está convencido de que é
impossível penetrar o segredo da natureza sem haver estudado o segredo do
homem. Precisamos satisfazer a exigência da introspecção se quisermos
aprender a realidade e compreender-lhe o significado. Por isso foi possível
a Heráclito caracterizar toda sua filosofia em duas palavras “Procurei por mim
mesmo”. (CASSIRER, 1972, p. 19, grifo nosso).
Cassirer encontra em Sócrates uma nova postura na investigação, sem
abandonar o conhecimento acumulado pelos seus antecessores, aponta que o
conhecimento acerca do homem está além do conhecimento das coisas físicas e das
substâncias, é do processo dialético do exercício da razão, do confronto entre
as perguntas e respostas que se faz a si mesmo que se pode trilhar o caminho de
conhecer o que é o homem, esse caminho está em meio a outros homens. Cassirer
cita um trecho do dialogo de Sócrates e seu discípulo Fedro “[...] que sou
um amante do conhecimento e os homens que habitam na cidade são meus
mestres[...]” para demarcar um viés estritamente antropológico na busca de
conhecer o que é o homem.
Para os filósofos medievais, se destacando entre eles Santo Agostinho e
Santo Tomás, a perspectiva antropológica passa por uma visão teocêntrica, ou
seja, se pode conhecer o homem a partir de sua origem e sua relação com Deus.
Sua origem e seu “destino” dependem de sua proximidade com Deus e essa
proximidade se baseia na busca pela salvação da alma, pois apenas uma alma pura
tem a possibilidade de alcançá-lo. Nessa perspectiva o abandono da visão
cosmocêntrica passa a uma visão teocêntrica para justificar a existência humana
e sua “razão” de existir. A perspectiva teocêntrica, a dualidade entre corpo e
a alma dificultava o conhecimento do homem e, por conseguinte, seu afastamento
de Deus. No corpo residia toda possibilidade do pecado das sensações humanas e
a alma necessitava manter-se pura para alcançar seu fim último, a salvação.
Na tradição cristã o percurso de entender essa dualidade entre corpo e
alma tiveram duas perspectivas entre seus principais filósofos apesar de
apresentar características em comum – alma e corpo – ambos enfocam a alma como
o caminho comum para alcançar a essência do homem, segundo Mondin (1926):
Nas linhas fundamentais, de qualquer maneira, a antropologia de
Agostinho se inspira em Platão: a mesma dicotomia entre a alma e corpo, a
redução do homem essencialmente à alma, a completa autonomia do
conhecimento intelectivo com respeito a qualquer contribuição do corpo.
(MONDIN, 1926, p. 11, grifo nosso).
Santo Tomás, elabora uma nova antropologia filosófica, que tem como
pontos característicos os seguintes: o homem é composto essencialmente de alma
e corpo; a alma não subjaz ao corpo[...] (MONDIN, 1926, p. 11 e 12, grifo
nosso).
É na modernidade onde as duas visões anteriores - cosmocêntrica, dos
gregos; e teocêntrica dos autores cristãos - que perdem sua imposição perante
as pesquisas críticas, tendo no homem o ponto de partida. Nessa perspectiva
antropocêntrica é visto de várias formas, mas sob a inspiração na filosofia de
Platão (uma ideia de bem e fim último), de cunho metafísico tendo como
principais representantes Descartes, Spinoza, Pascal etc. Com Emmanuel Kant -
autor da Critica da Razão Pura - essa antropologia metafísica tem um duro
golpe, pois em Kant a alma humana não pode absorver um saber absoluto, para
Kant o homem só pode conhecer aquilo do qual ele tem contato. Foi a partir dessa
crítica de Kant à metafísica que surge uma nova investigação antropológica na
modernidade, tomando novas perspectivas, uma investigação do homem em relação à
ética, indivíduo, ser social, instintivo etc., grande parte de suas condições
particulares.
Mas a antropologia não se contenta com o conhecimento do homem em suas
particularidades, ela busca o conhecimento acerca do homem por completo e
universal. Dessa forma poderíamos dizer que a antropologia contemporânea
limita-se em responder a pergunta: “O homem quem ele é” dando sua resposta a
partir de suas especificidades de abordagem, mas limitado em seu conhecimento
do homem total.
Assim, cada corrente da antropologia filosófica moderna tenta apresentar
em suas teses um homem de acordo com sua perspectiva Mondin (1926): relaciona
algumas dessas que ele chama de “série de novas imagens do homem” que
seria “homem econômico, Marx; homem instintivo, Freud; homem angustiado,
Kierkegaard; homem utópico, Bloch; homem existente, Heidegger; etc.” Se
para o filósofo Karl Marx o homem poderia ser “conhecido” a partir do
econômico, ou seja, a partir dos modos de produção que se apresentaram ao longo
da história da humanidade no processo dialético homem-trabalho-natureza. Para
uma perspectiva ainda mais contemporânea com a apresentada por José Ortega y
Gasset (1883-1955) o homem poderia ser desvendado através da técnica, o homem
técnico, que tem por finalidade completar seu “programa de vida”[1].
Podemos observar que, se na visão cosmocêntrica e teocêntrica a
dualidade estava entre a alma e corpo para se conhecer o homem, se alternando
entre as teorias mais aceita para cada época, na modernidade as discussões
antropológicas torna-se ainda mais complexas diante das inúmeras perspectivas
que se caracterizam sobre os prismas a ser observado. Temos que reconhecer que
diante das inúmeras perspectivas hoje, a certeza que temos é que a tarefa de
conhecer o que é o homem se torna mais difícil, tornando esse homem um “enigma”
cada vez mais longe de ser desvendado, mas por outro lado, mais instigante o
seu estudo com o objetivo de identificá-lo e compreendê-lo. Nesse sentido, a
filosofia antropológica cumpre uma tarefa essencial à humanidade.
[1]
GASSET Y, Ortega. Meditação sobre a técnica. Rio de Janeiro: Instituto
Liberal, 1991.
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